Fernando Haddad liga para senadores e obtém vitória do governo em MP sobre tributação de multinacionais
Em meio às dificuldades de articulação política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) obteve uma vitória no Senado Federal ao conseguir barrar pressões de última hora e garantir a aprovação de uma medida que pode assegurar até R$ 23 bilhões em recursos em 2024.
Os senadores validaram a MP (medida provisória) que muda as regras do chamado preço de transferência -forma de tributação das operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico.
Haddad, que está no Japão como convidado para a reunião de ministros do G7, entrou diretamente nas negociações e, por telefone, conseguiu convencer senadores a retirarem o apoio a mudanças que causariam prejuízo à Fazenda. O texto agora vai à sanção presidencial.
“[A aprovação é] Fundamental! A Receita estimava perdas em cerca de R$ 70 bilhões ao ano”, disse Haddad à Folha, por mensagem. Segundo ele, o Fisco espera que a recuperação desses valores seja gradual. Por isso, a arrecadação em 2024 deve ficar entre R$ 17,5 bilhões e R$ 23 bilhões.
Como a tributação sobre a renda é menor em outros países, as multinacionais declaram a venda de seus produtos para filiais no exterior a um preço próximo do custo de produção e, de lá, concluem a comercialização para o destinatário final pelo preço real.
O saldo final é uma redução do total a ser pago em impostos, e há vezes em que a empresa consegue até mesmo abater benefícios ou prejuízos acumulados.
Um dos princípios da MP é estender às operações realizadas dentro de um mesmo grupo as mesmas regras aplicadas nas transações entre empresas não relacionadas -usualmente regidas por preços de mercado. A prática segue recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O texto diz ainda que as novas regras deverão ser observadas pelas empresas a partir de 1º de janeiro de 2024, mas é opcional aderir a elas já neste ano.
Segundo interlocutores do governo e do Congresso, entidades empresariais e até representantes de estatais federais fizeram intenso lobby para tentar adiar a implementação das mudanças para 1º de janeiro de 2025.
Na avaliação do governo, essa alteração representaria um ano a mais de evasão fiscal, com prejuízo de dezenas de bilhões de reais para os cofres públicos.]
Outra emenda alvo de pressão buscava favorecer o setor de petróleo, permitindo o uso de preços de referência publicados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo) no cálculo da tributação. Como esses preços são menores do que os valores efetivos na venda, isso reduziria o imposto a ser pago (uma “exportação” do tributo que o Brasil poderia arrecadar).
Durante a madrugada no Japão, Haddad interveio para evitar que essas emendas vingassem.
Diante do risco de revés, ele ligou para senadores influentes para pedir a manutenção do texto do governo. Um deles foi Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), autor de uma das emendas que adiava a implementação das regras e que tinha chance de aprovação.
O ministro também conversou com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na tentativa de evitar qualquer endosso à mudança que beneficiaria a companhia,
A investida bem-sucedida de Haddad foi comemorada nos corredores da Fazenda e é vista por aliados do ministro como uma demonstração de força da equipe econômica, num momento crucial de negociação do arcabouço fiscal e de medidas para reequilibrar as contas públicas.
Desde sua posse, Haddad tem se dedicado a estabelecer um canal de diálogo com a cúpula do Congresso Nacional e também com parlamentares, o que tem motivado elogios ao chefe da Fazenda -em contraste com a articulação política conduzida pelo Palácio do Planalto, que enfrenta críticas dos congressistas.
A Amcham (Câmara Americana de Comércio) celebrou a aprovação do projeto. Sem a MP, empresas dos Estados Unidos corriam o risco de sofrer dupla incidência de tributação, lá e no Brasil, uma vez que uma mudança recente naquele país permite o desconto do tributo pago no exterior apenas se a outra economia adota os mesmos princípios.
Esse seria o caso de multinacionais dos Estados Unidos que, devido a mudanças na legislação daquele país em janeiro de 2022, ao fazer essa opção poderiam voltar a contar com a dedução, no imposto a pagar pela matriz, do imposto pago pelas empresas relacionadas e cobrado no Brasil.
“A aprovação do novo sistema de preços de transferência representa um marco para a integração internacional competitiva do Brasil. A normativa brasileira passa a se alinhar com as melhores práticas internacionais, fazendo com que o País ganhe maior atratividade como destino de produção e investimentos”, diz o CEO da Amcham, Abrão Neto.