Riqueza histórica do Brasil está no DF
A capital federal tem histórias de mais de 10 mil anos para contar. É que no solo do Distrito Federal, na região da Cachoeirinha, no Paranoá, há resquícios de alguns dos habitantes mais antigos da região do Planalto Central. No sítio arqueológico do local, escavado em 2019, foram encontrados vestígios de instrumentos de pedra lascada de 11 mil anos, como lanças, facas primitivas, flechas, entre outras ferramentas utilizadas por grupos de caçadores-coletores – que caçavam animais e coletavam alimentos cultivados na terra.
São ao todo 63 sítios arqueológicos no DF em preservação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – 12 deles descobertos nos últimos cinco anos, sendo cinco deles apenas no ano passado. Os locais remontam a períodos de civilizações pré-indígenas, mas também revelam hábitos e costumes dos primeiros candangos que edificaram a capital, por exemplo, a fim de que haja memória de toda a história de Brasília até sua construção.
Os mais antigos são encontrados nas regiões de Cachoeirinha, no Paranoá; em Planaltina; no Parque Três Meninas, em Samambaia; na Ponte Alta, no Gama; na Bacia do Rio São Bartolomeu, no Altiplano Leste; na Granja do Ipê, entre Riacho Fundo e Park Way; e no sítio Ville de Montagne, no Jardim Botânico. Os estudos de arqueólogos e historiadores indicam que as descobertas mais antigas podem remeter a povos que habitaram no DF de 8 a 10 mil anos atrás.
De acordo com o historiador e arqueólogo André Moura, que participou da equipe de escavações do sítio arqueológico de Cachoeirinha, Brasília foi construída com um mito fundador de que a capital viria para um local inabitado – uma ideia que se propagou erroneamente segundo ele. “Esse território é habitado há mais de 8 mil anos”, defendeu. “Isso é importantíssimo porque mostra como aconteceram as rotas de migração e ocupação do Planalto Central brasileiro e na América do Sul.”
Pelo DF também se passavam algumas das estradas reais por onde eram feitos os transportes do ouro que saía do interior brasileiro até os portos de Salvador (BA) e do Rio de Janeiro (RJ). As evidências com vestígios de edificações e materiais de louça de origem europeia mostram a ocupação da era imperial e das antigas fazendas que existiam na região do Planalto Central, que abrange tanto o DF quanto o Goiás.
“Temos sítios muito relevantes e diversos no DF. […] São muitos processos históricos que aconteceram dentro de um mesmo território – e por conta deles, os vestígios também são bastante diversos. Os povos mais antigos seriam os antecessores dos povos que formaram demograficamente aqueles que são os indígenas atuais. Como são muito antigos, estamos falando de um horizonte que começa a responder algumas perguntas, como quando a humanidade pisou nesse território pela primeira vez”, explicou o especialista.
Conforme André, os elementos encontrados dentro dos sítios arqueológicos ajudam também a elucidar como se desenvolveram as sociedades ao longo do tempo na região, compreendendo mais sobre a complexidade histórica da sociedade e da economia que se desenvolveram em milhares de anos. “É o mesmo território; as ocupações humanas é que foram mudando, com características culturais próprias e que foram ficando mais contundentes e se modernizando também”, destacou.
Para nunca esquecer
“Na arqueologia e na história a gente sempre lembra: o historiador não tem o direito de esquecer – e o que faz a gente lembrar das coisas são os vestígios e os processos históricos. Isso está presente no patrimônio material e imaterial”, disse André. “Os sítios funcionam como uma viagem no tempo. Vemos que os povos que estavam aqui há 8 mil anos não tinham uma estratégia de ocupação tão diferente do que faríamos hoje. O que mudou foi só a tecnologia”, continuou.
O sítio arqueológico da Cachoeirinha aconteceu dentro de um processo de licenciamento ambiental e é o mais antigo que o DF possui. De acordo com o também professor de história, a maioria dos locais de preservação da história brasileira também aconteceram a partir dos trabalhos de licenciamento ambiental, que são importantes para os registros do patrimônio cultural de toda a nação.
Na Cachoeirinha, a descoberta só aconteceu após os estudos feitos dentro do processo de licenciamento ambiental, encomendado para acontecer antes da construção de um trecho da DF-456. “Preservar a nossa memória coletiva é o pilar da nossa identidade como um povo. Isso é o que nos torna brasileiros, é o que nos torna brasilienses, o que nos torna humanos. O licenciamento é um instrumento muito poderoso”, finalizou André.
SAIBA MAIS
- De acordo com o Iphan, na região do Planalto Central, que abrange todo o Distrito Federal e o Goiás, existem ao menos cinco tipos de sítios arqueológicos em conservação e estudo por historiadores e arqueólogos:
- Os sítios líticos: pré-históricos que podem ter até 11 mil anos de idade, marcados por vestígios de instrumentos de pedra lascada, de materiais utilizados na fabricação das ferramentas, fogueiras e até restos de alimentos que se conservaram ao longo do tempo. Eram ocupações de pequenos grupos de caçadores-coletores. Tais vestígios podem ser encontrados no Museu de Geociências da Universidade de Brasília (Mgeo/UnB).
- Sítios cerâmicos: pré-históricos ou pré-coloniais que apresentam restos materiais de grupos que praticavam algum tipo de agricultura. Os vestígios mais encontrados são fragmentos ou vasilhas inteiras de argila queimada, usadas no preparo e armazenamento de alimentos ou como urnas funerárias.
- Sítios-cemitério: locais que foram usados para sepultamento, onde podem ser encontrados, além de restos mortais, objetos, oferendas e outros elementos que demonstrem ter acontecido cerimônias funerárias no local.
- Sítios de arte rupestre: pinturas e gravuras encontradas em grutas ou abrigos de rochas, rochedos, lajedos e paredões de pedra, que contam sobre aspectos da vida dos habitantes do local.
- Sítios do período colonial: remontam à época da colonização europeia, consolidada na região central do país a partir do século XVIII. Os vestígios são de restos de edificações e de outras obras arquitetônicas, além de materiais de louça, vidro e metal de origem europeia usados na época. O Parque Nacional de Brasília reúne alguns desses elementos.
- Sítios da história de Brasília: reúnem memórias das olarias onde eram produzidos os tijolos usados para a construção de alguns dos monumentos da Esplanada dos Ministérios, e das habitações das primeiras cidades planejadas, como Asa Sul e Asa Norte – boa parte já operava desde o início do século passado. Estão concentradas principalmente na região de São Sebastião.