Com quantos sotaques se faz uma Brasília? Veja trajetória e história da população do DF
Quando João Evangelista dos Santos chegou em Brasília, em 1960, a capital estava em construção. Aos 20 anos de idade, ajudou a empilhar os tijolos das quadras da Asa Sul.
A necessidade de emprego fez com que ele deixasse o município de Pedreiras, no Maranhão, para desembarcar no cerrado. Sem saber, ao certo, o que iria encontrar.
“Eu vim para trabalhar, ganhar dinheiro, porque a gente não tinha emprego.”
João Evangelista é um entre os 58 mil nordestinos que chegaram ao Distrito Federal, recém-criado, há seis décadas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Nordeste era e ainda é a terra natal da maioria dos migrantes em Brasília
Contudo, a capital faz aniversário tendo a maior taxa de brasilienses da história (55,3%). A outra “quase metade” da população ainda tem suas origens em outras regiões (saiba mais abaixo).
A história de Brasília é feita pelo conjunto de enredos de quem adotou a capital como lar, carregando famílias para cá. João Evangelista, ao 79 anos, conta que chegou a voltar para o Maranhão no que ele chama de “época de revolução e ditadura”, mas retornou antes do regime militar acabar, mais uma vez, em busca de emprego.
“Em 77, eu voltei, com meus seis filhos e estou aqui até hoje. Trabalhei os primeiros anos como vigilante e depois entrei para o GDF”.
João foi servidor da então Secretaria de Assuntos Sociais, onde se aposentou há mais de 10 anos. Ele continuou trabalhando, como comerciante, na cidade onde criou a família e que tem hoje quase 70% da população nordestina: Ceilândia.
“Naquela época [1977], era difícil demais. Um dia tinha água, no outro não tinha. O que mais tinha era poeira.”
Segundo João, encontrar outros nordestinos na capital fazia com que ele se sentisse “em casa”.
“No início, a saudade era desgramada. Depois, fui fazendo amigos, conhecendo conterrâneos, encontrando parentes. A vida foi levando.”
O Brasil no DF
A mais recente Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Estudos (PDAD) da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), de 2018, aponta que o DF tinha 2.881.854 habitantes. Destes 1.594.043 (55,3%) haviam nascido aqui e 1.594.043 (44,7%) tinham vindo de outros estados.
O levantamento conta que a região do Nordeste lidera a terra natal de migrantes no DF, com a estimativa de 644 mil residentes. Veja:
Migrantes no DF em 2018
- Nordeste: 644.704
- Sudeste: 338.702
- Centro-oeste: 168.360
- Norte: 58.961
- Sul: 42.211
Considerando a maioria por estado, é Minas Gerais que lidera a migração. Em segundo lugar entre os estados com maior número de migrantes está Goiás, com 156,7 mil.
A PDAD 2018 não citou o estado de Roraima.
O que se vê no cenário atual é o resultado do fluxo migratório de anos. Um estudo da Codeplan com os levantamentos do órgão e também do IBGE mostra a população estimada de chegada em Brasília a cada década, entre 1960, ano de inauguração, até 2010.
Em terras goianas
Brasília foi criada em terras goianas. A área onde construíram a capital estava em três municípios do estado vizinho, que fazem parte do Entorno do DF: Planaltina, Formosa e Luziânia.
A busca por concursos públicos atraiu Ana Célia Luli, de Goiânia, em 1989. Ela ficou na casa das irmãs que já estavam na capital, em Taguatinga, com o mesmo objetivo.
“Não tinha isso de concurso público em Goiânia. Os poucos que tinham, eram muito concorridos.”
Cinco anos após a chegada, Ana Célia conseguiu ser aprovada para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para ela, Brasília proporciona oportunidades.
“Estudei em escola pública. Na minha cidade, só quem conseguia passar em concurso era quem tinha condições de pagar um cursinho”
A servidora conta que, com a ajuda das irmãs, conseguiu estudar e se preparar para o concurso. Enquanto isso, conhecia gente do Brasil inteiro na capital. “Era gente da Bahia, do Maranhão, do Rio de Janeiro”, lembra.
Para Ana Célia, a cidade hoje está diferente. “Brasília tem mais personalidade”, afirma.
“Hoje eu sinto que quem é de Brasília já tem um jeito de brasiliense. No jeito de falar, de ser… Tudo mudou”