Dignidade e respeito para todos, um compromisso
“Me incomodava ter um nome diferente na identidade; sempre tinha uma piadinha, mesmo eu estando lá, com aparência de mulher. Retificar o nome no meu documento me trouxe segurança”. Quem comemora a conquista é Rafaella Gomes Costa, de 37 anos. No mês passado, ela fez a alteração do nome e do gênero na Certidão de Nascimento, oficializando um desejo que tinha desde a adolescência.
Rafaella é atendida pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social Diversidade (Creas Diversidade) e teve a oportunidade de fazer a retificação gratuitamente. Isso ocorreu por conta de uma parceria entre a unidade, gerida pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), e o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Defensoria Pública do Distrito Federal.
“Ter o nome respeitado e reconhecido faz toda a diferença na vida de uma pessoa”Ludmylla Anderson Santiago, agente comunitária de saúde
Desde 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a importância de retirar a obrigatoriedade de uma cirurgia de mudança de sexo para pessoas transexuais e trans mudarem o nome no registro civil, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autoriza os cartórios a fazerem a retificação, sem necessidade de laudos médicos e autorização judicial, como era exigido antes.
Retificação é possível
A decisão facilitou o processo, que, até então, era demorado e desgastante – mesmo para quem teve persistência de ir até o fim, como ocorreu com a agente comunitária de saúde Ludymilla Anderson Santiago. Em 2009, Ludmylla iniciou uma ação judicial para retificar o nome e o gênero no registro civil. Ela conta que o processo para retificação do nome foi rápido: em um ano, conseguiu fazer a alteração. Já a mudança do gênero foi negada pela Justiça. Somente em 2018, depois da decisão do STF, ela conseguiu fazê-la diretamente no cartório.
“Foi um avanço grande em relação ao que era antes”, destaca a agente comunitária, que também contou com o apoio do Creas Diversidade e da Defensoria Pública do DF. “Hoje, esse é um processo rápido. Temos muitas questões ainda, é claro, mas foi um passo muito importante. É diferente de ter somente o nome social. Ter o nome respeitado e reconhecido faz toda a diferença na vida de uma pessoa.”
Mediação do Creas
“Em alguns casos, nós também fazemos a mediação junto ao cartório para evitar cobranças extras”Kayodê da Silva Silvério, assistente social do Creas Diversidade
Sem a obrigatoriedade de uma decisão judicial, a retificação do nome e gênero no cartório ficou mais rápida, mas muitas pessoas trans ainda esbarram em outro problema: o alto custo com a emissão das certidões e das taxas do cartório. Até nessa questão, porém, o governo pode ajudar. “A pessoa preenche declaração de hipossuficiência e nos envia os documentos pessoais, com o comprovante de residência, RG e CPF”, orienta o assistente social Kayodê da Silva Silvério, do Creas Diversidade.
A partir daí, explica, a unidade encaminha os documentos à Defensoria, com a solicitação de gratuidade de praticamente todas as taxas do cartório. “São pessoas em situação vulnerável”, pontua Kayodê. “Imprimimos todos os documentos necessários e entregamos tudo pronto somente para o usuário ir ao cartório. Em alguns casos, nós também fazemos a mediação junto ao cartório para evitar cobranças extras”.
Outro serviço importante feito por meio dessa parceria, reforça o servidor da Sedes, é a ajuda a pessoas que são de outros estados e moram no DF. “O defensor público entra em contato com o estado onde o usuário nasceu para garantir processo de retificação no cartório do estado de origem. Já atendemos casos do Pará, Maranhão, Amazonas, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul”, enumera. Kayodê informa que esse suporte é oferecido mesmo ás pessoas que não estão em acompanhamento no Creas, por se tratar de um direito ao nome – o primeiro princípio da cidadania.
Wandô Santos Souza, de 46 anos, foi um dos que conseguiram fazer a retificação do nome e do gênero no mês passado. “Me perguntaram se era isso que eu realmente queria e eu disse que meu sonho era trocar o meu nome por Wandô, porque eu sempre fui Wandô, me sinto feliz sendo Wandô. Eu não me reconhecia por Erivânia”, relata o morador de Planaltina. “Se não tivesse essa ajuda, eu não poderia pagar”.
Nome social
“ Garantir o nome social é garantir uma segurança de acolhida em todos os nossos serviços”Felipe Areda, diretor de Serviços Especializados a Famílias e Indivíduos da Sedes
Desde 2010, a Sedes tem uma portaria que garante o registro do nome social de travestis e transexuais em documentos de atendimento em todas as unidades socioassistenciais. Nome social é o nome pelo qual pessoas trans e travestis geralmente desejam ser chamadas, mesmo que ainda não tenham feito retificação de nome e gênero no cartório. Para evitar qualquer constrangimento, o nome de registro ainda não retificado pode ser utilizado apenas para fins administrativos.
Na atual gestão, houve ainda investimento na formação de todos trabalhadores da assistência social para garantir o atendimento livre de qualquer discriminação e com reconhecimento à diversidade das identidades de gênero. “Nós não podemos usar as nossas concepções, os nossos preconceitos, as nossas visões normatizadas do que é certo e errado para constranger ninguém”, atenta o diretor de Serviços Especializados a Famílias e Indivíduos da Sedes, Felipe Areda. “Esse reconhecimento passa pelo reconhecimento da diversidade. Garantir o nome social é garantir uma segurança de acolhida em todos os nossos serviços”.
No acesso à inscrição no Cadastro Único e a todos os benefícios sociais gerenciados pela Sedes, incluindo agendamento para atendimento nos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), há um campo para utilização do nome social.
Sem prejuízo ao atendimento em outros serviços, o Creas Diversidade é hoje o equipamento que realiza o maior número de atendimentos a pessoas trans em situação de vulnerabilidade social. A Sedes também tem uma equipe do Serviço Especializado em Abordagem Social responsável por atender pessoas LGBTQIA+ em situação de rua. Como as pessoas trans são o público mais vulnerável, há ainda a expectativa de implementação de um serviço de acolhimento em república para LGBTQIA+ em situação de desabrigo.
Além disso, o Decreto nº 37.982, de 2017, estabelece que é um direito o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas trans – travestis, transexuais e transgêneros – no âmbito da administração pública direta e indireta do Distrito Federal. Ou seja: no DF, por lei, o nome social vale para utilização de serviços, atos administrativos e acesso a benefícios.