Pressão no STF por emendas de relator une Congresso, PGR e o atual governo
Câmara, Senado, governo Jair Bolsonaro (PL) e PGR (Procuradoria-Geral da República) se uniram em defesa das emendas de relator em meio à análise do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre essa forma de distribuição de recursos orçamentários.
No primeiro dia de julgamento pela corte sobre a constitucionalidade desse instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso, as emendas de relator foram defendidas por representantes dessas instituições. A PGR tratou do caso como “assunto esgotado” e ainda reclamou do espaço dado pelo STF para entidades críticas desse mecanismo.
O julgamento do Supremo foi suspenso no final da tarde desta quarta-feira (7) e será retomado na próxima quarta-feira (14), quando a presidente da corte, Rosa Weber, deve apresentar seu voto. Depois, os demais dez ministros deverão se manifestar.
As emendas de relator se converteram no governo Bolsonaro na principal ferramenta de negociação política entre o Planalto e o Congresso Nacional. O poder de distribuição dessas emendas ficou concentrado na cúpula do Legislativo, o que desencadeou críticas pela falta de transparência na alocação dos recursos.
No julgamento iniciado nesta quarta-feira, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, afirmou que o regime das emendas de relator não ofende princípios constitucionais, “em especial com os aperfeiçoamentos efetivados após a decisão cautelar desta Suprema Corte”.
Em 2021, a ministra Rosa Weber determinou a suspensão do uso dessa verba. Ela recuou da decisão um mês depois, após o Congresso apresentar uma série de medidas para dar mais transparência às emendas.
A AGU é responsável pela representação jurídica do governo, e Bianco tem status de ministro na administração Bolsonaro.
Bianco afirmou, em sua sustentação oral no Supremo, que a decisão de Rosa Weber ajudou a deixar o instrumento mais transparente.
Segundo ele, na Constituição “não há qualquer tipo de impedimento” às emendas de relator. Ele disse ainda que elas são diferentes das emendas que têm previsão expressa no texto constitucional, como as individuais e as de bancadas.
“Todavia, é muito importante registrar que casos de malversação de recursos públicos devem sempre serem fiscalizados e punidos, sendo imprescindível o constante aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência e publicidade”, acrescentou.
O STF começou a julgar as ações de quatro partidos contra as chamadas emendas de relator.
Os ministros ainda não começaram a votar. O tribunal terá apenas mais duas sessões de julgamentos até o início do recesso do Judiciário, no próximo dia 20. As ações em análise foram apresentadas em 2021 por Cidadania, PSB e PSOL; e em 2022 pelo PV.
Rosa Weber é a relatora dos quatro processos. Ela será a primeira ministra a votar, o que só ocorrerá na próxima sessão do Supremo, em 14 de dezembro.
Também fizeram sustentações orais nesta quarta os advogados do PSOL e do PV, além de partes interessadas, sobretudo instituições de defesa da transparência.
O instrumento, bastante usado no governo Bolsonaro, foi criticado e apontado como inconstitucional pelos partidos e entidades.
O advogado do PSOL, André Maimoni, disse que “não há como a gente não relacionar esse caso com o escândalo dos anões do Orçamento das décadas 1980 e 1990”.
“As RP-9 [como são chamadas as emendas de relator] matam a organicidade do orçamento formal, criam um orçamento paralelo, e nessa apropriação e nessa bagunça que se instaurou, verificam-se verbas direcionadas para despesas correntes, e não para investimentos, como seria o natural”, argumentou.
Falaram ainda em defesa das emendas advogados que representam o Senado e a Câmara.
A vice-PGR, Lindôra Araújo, se manifestou pelo órgão. Em seu entendimento, a decisão de Rosa que fez o Congresso dar mais transparência às emendas deu maior controle às suas execuções.
“Em razão disso, eu acho que está esgotado esse assunto”, afirmou.
Em seguida, criticou o STF por ter aberto espaço para partes interessadas que criticaram o mecanismo de distribuição de verba do orçamento. “O Supremo, nesse momento, não é um palco político. Ele não deveria, como foi feito durante todas as sustentações, [dar palco] apenas [à] crítica ao Congresso Nacional. Os políticos estão lá pelo voto popular, que deve ser respeitado”.
Além de partidos políticos, representantes do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, da Associação Contas Abertas, da Transparência Brasil e da Transparência Internacional falaram contra esse instrumento de distribuição de verbas orçamentárias.
Antes da sessão, o Congresso Nacional enviou manifestação ao STF para defender a constitucionalidade das emendas de relator.
No documento, de dez páginas, os advogados da Câmara e Senado afirmaram que as mudanças realizadas nas emendas de relator no Orçamento de 2020, com aumento na dotação, representaram “importante ampliação da influência do Poder Legislativo na alocação de recursos orçamentários”, além de descentralizar “políticas públicas a pequenos e médios municípios, atendendo o interesse público”.
“É uma escolha democrática, aprovada pelas Casas do Congresso Nacional e referendada pelo chefe do Poder Executivo, e que está em total consonância com as competências legislativas asseguradas à União, por meio desses Poderes, de legislar sobre o orçamento federal, e, em especial, às Casas do Congresso Nacional de oferecer emendas aos projetos de lei em matéria orçamentária”, defenderam.
Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso temem que, caso o STF anule as emendas de relator, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), desista do acordo em torno da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição.
O entendimento de parlamentares ouvidos pela Folha é que as emendas dão governabilidade e sustentação a um equilíbrio entre o Legislativo e o Executivo.
Caso ele deixe de existir, isso irritaria não só a ala mais bolsonarista do Congresso e que já costuma fazer críticas duras ao STF, mas também a maioria dos parlamentares de ambas as Casas.
Por isso, há o temor de que haja algum tipo de retaliação, que pode esbarrar na PEC a Transição.
O PT vem afirmando que não tem interferido no julgamento do STF, apesar de Lula ter feito duras críticas às emendas durante toda a sua campanha —depois de eleito, ele modulou seu discurso.
Pessoas próximas a Lira afirmam que o presidente da Câmara ficou irritado com o julgamento no Supremo e não descarta a possibilidade de que a base petista tenha se movimentado nos bastidores para que o tema fosse pautado na corte.