Joias de Jair Bolsonaro: caberá a Lula avaliar acordos com Arábia Saudita, diz pesquisador

Joias de Jair Bolsonaro: caberá a Lula avaliar acordos com Arábia Saudita, diz pesquisador

O turbilhão provocado pelas revelações de que a família Bolsonaro iria se empossar de um valor superior a R$ 16 milhões em joias deixou em segundo plano decisões tomadas na ocasião e também o histórico diplomático com a Arábia Saudita.

“Vários acordos foram assinados para investimento em áreas como infraestrutura, defesa e agricultura. Esses acordos estão valendo. Agora, cabe ao governo atual manter ou não esses acordos”, explica o pesquisador em relações exteriores Luciano Muñoz, especialista nos temas relacionados à política externa.

Muñoz, que é professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), aponta que a costura bilateral revela os trâmites das relações exteriores brasileiras durante o governo passado.

Presentes

A prática de presentear um Chefe de Estado é tradicional e simbólica nas relações internacionais. Assim como ocorrem visitas oficiais, o ato de presentear denota a importância de certos códigos.

“Tem uma regra no direito internacional e na diplomacia que é a reciprocidade”, esclarece o pesquisador.

O objeto de escolha varia em uma ampla gama, mas é comumente relacionada à cultura do país que o oferece. E essas trocas denotam a opulência, o poder e a dignidade dos Estados envolvidos nessa dinâmica, explica o pesquisador

A Arábia Saudita para o Brasil

A visita do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2019 ocorreu no contexto da comemoração dos 50 anos de relações bilaterais com a Arábia Saudita. Muñoz destaca que “essas efemérides também têm muito a ver com esse ritual de encontros, além dos presentes (para aprofundar a parceria)”, contextualiza.

“Embora a gente fale muito mais das relações do Brasil com seus vizinhos ou com os Estados Unidos, com a China, com a Europa ou no âmbito dos BRICs; a Arábia Saudita é o principal parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio. Além de ser um dos maiores produtores de petróleo do mundo e é um país chave dentro da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)”, explica Luciano Muñoz.

Existem múltiplos fatores que beneficiam o Brasil numa aproximação com o país árabe que vai além de um governo. A diferença dessa esfera para o Estado brasileiro é a base para uma aplicação concisa e universal da política externa.

Apesar da visita do então presidente Jair Bolsonaro ter sido um marco durante o seu mandato, é possível que o Brasil estenda essa relação em outros governos, incluindo a atual chefia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Diplomacia ativa e altiva

O Brasil estabeleceu relações com Arábia Saudita em 1968. Era um momento do governo Costa e Silva em que o Brasil estava universalizando a sua política e buscando mais parceiros em outras regiões, além das tradicionais: América Latina, Estados Unidos e Europa.

A década seguinte dá continuidade à tradição de uma política externa chamada de universalismo. E a busca por autonomia, que ocorre e depende de ter o máximo de parceiros possíveis para evitar a dependência de fornecedores e compradores.

Nesse sentido, as relações com a Arábia Saudita fazem parte da estratégia brasileira. Como um país central do Oriente Médio, sua relevância se faz presente pela própria região.

“O presidente Lula na sua primeira passagem no governo, foi o primeiro brasileiro no cargo a visitar o Oriente Médio. Lula teve uma preocupação muito grande com o Oriente Médio e até esteve ali na época das cúpulas”, relembra o pesquisador.

Bolsonaro e o conservadorismo

Apesar de existir uma certa tradição na política externa brasileira, o governo anterior, especialmente no começo do mandato, fez uma tentativa de guinada na forma de se projetar internacionalmente.

Houve também o esforço para uma redefinição da identidade do Brasil. A ideia da formulação política era entender o Estado brasileiro como um país ocidental. Então passou a ter uma menor ênfase, por exemplo, nas relações com a África. “E também pensar o Brasil com a identidade de um país conservador e cristão”, acrescenta Muñoz.

O país nesse período passou a buscar relações com países de regimes chamados conservadores e de matriz judaico-cristã. O que incluía os Estados Unidos de Donald Trump, a Hungria, a Polônia, a Itália da época do Matteo Salvini, e Israel, de Netanyahu.

Então, nesse contexto, na relação entre política externa e a maneira como a identidade internacional do país é narrada em cada momento, a Arábia Saudita não se encaixa muito nisso. Mesmo porque o país é um opositor de Israel na região, completa Luciano Muñoz.

Com isso, a insustentabilidade da guinada e o pragmatismo econômico consolidam um retorno ao repertório de princípios do Itamaraty.

Mas não se descarta a possibilidade de que o encontro de Jair Bolsonaro com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita no G20 tenha como resultado uma simpatia do ex-presidente pelo regime. “Bem mais autoritário do que qualquer devaneio que tenha ocorrido aqui no Brasil, não tem comparação, mas você pode ter tido esse elemento. Ou até mesmo uma espécie de magnetismo pessoal também”, como o pesquisador explora.

Imagem internacional e prognóstico do governo Lula

Conforme avalia o pesquisador, as notícias sobre as joias ecoam mais internamente, não tendo grandes efeitos na imagem internacional do Brasil. “O que se dá por uma soma de fatores, como o fato do Bolsonaro não ser mais o presidente e pelo retorno da política ambiental no país”.

Ao comparar os dois primeiros mandatos do presidente Lula com o atual, o professor avalia que é possível avaliar uma tendência na intensificação das relações do Brasil com o Oriente Médio e a África. Em menos de cem dias de governo, já ocorreu a reaproximação com parceiros afastados nos últimos 4 anos.

Energia e investimentos fazem dessa região um pilar importante para a política externa brasileira. Tendo como foco de análise, por exemplo, os acordos assinados durante a visita do Bolsonaro em 2019. Agora cabe ao governo atual dar seguimento ou não às parcerias formadas para a infraestrutura, agricultura e defesa.

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