País tem alta de vacinação infantil, mas só BCG consegue cumprir meta
O Brasil ensaia uma retomada na cobertura das principais vacinas infantis, com aumento nas taxas em 2022. Mas só uma, a BCG, que protege contra as formas graves da tuberculose, conseguiu atingir a meta preconizada pelo Ministério da Saúde.
Os dados, divulgados às vésperas do aniversário de 50 anos do PNI (Programa Nacional de Imunizações), são de levantamento inédito do Observa Infância, uma parceria entre a Fiocruz e a Unifase, com base nos sistemas públicos, que avaliou a cobertura vacinal para crianças com menos de dois anos de quatro imunizantes essenciais: BCG, pólio, DTP (que previne contra difteria, tétano e coqueluche) e a MMRV (contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela).
Os resultados mostram que, após anos de declínio, as quatro vacinas registraram aumento na cobertura entre 2021 e 2022. “A gente pode não ter atingido as metas, mas 2022 foi ano de reação. Ano que vem a gente espera olhar para 2023 e ver um avanço ainda maior”, diz a pesquisadora Patrícia Boccolini, coordenadora do Observa Infância.
Conhecida como a primeira vacina, a BCG teve alta de 19,7 pontos percentuais, atingindo 99,5%. A meta anual era vacinar 90% dos bebês menores de um ano.
A cobertura para três doses da vacina contra a poliomielite, no primeiro ano da criança, cresceu 9,7 pontos percentuais, mas ficou quase dez abaixo da meta (95%), atingindo 85,3%.
A região Sul foi a que mais se aproximou do objetivo, com 89,8% de cobertura. Em seguida, veio o Nordeste, com 88,1%. A Norte teve o pior resultado, com 77,5%.
“É um cenário perigoso. O Norte é uma região de fronteira [com a Venezuela e a Guiana Francesa] que pode receber casos de pólio. É um risco real mesmo a gente não tendo um caso de pólio há décadas. A doença é endêmica em alguns países, as pessoas viajam, o vírus pode chegar aqui e encontrar coberturas baixas”, diz Boccolini.
Em relação à dose de reforço da pólio, aplicada aos 15 meses da criança, o resultado foi ainda pior. Embora tenha havido crescimento de 6,25 pontos percentuais, o país só atingiu 69,7% de cobertura.
Para a pesquisadora, a baixa cobertura dos reforços, também verificada em outras vacinas, é um desafio adicional para a saúde pública. “As campanhas precisam reforçar para os pais que não adianta dar uma dose só porque a criança não estará protegida.”
Fátima Ângela dos Santos, por exemplo, não estava. Ela não recebeu a vacina contra a pólio e, aos seis meses, contraiu a doença. Foi internada no Hospital das Clínicas, em São Paulo, perdeu os movimentos do braço direito e desenvolveu asma.
“Vacina aqui é sagrada”, afirma ela sobre a imunização dos seis filhos e dos cinco netos. “Não entendo como as pessoas não vacinam os filhos. Elas querem que eles passem por essa situação? Que sofram preconceito?”, questiona.
Além das sequelas iniciais da pólio, Fátima, 53, desenvolveu SPP (síndrome pós-pólio), com repercussões como perda da força muscular, dor, tremores, insônia e incontinência urinária. Com dificuldades para andar e segurar objetos, ela não consegue mais exercer a função de vigilante e, após anos de espera, aposentou-se em maio.
“As pessoas não conhecem a poliomielite, não têm ideia da cruz que os filhos vão levar, da tristeza. São sequelas terríveis”, alerta.
A proposta de criação do PNI foi aprovada em 18 de setembro de 1973 por determinação do Ministério da Saúde. Até então, as ações de imunizações eram marcadas pela descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida área de cobertura. Em 1975, o programa foi institucionalizado de fato.
DESAIOS PARA AUMENTAR A COBERTURA
Em 2022, a cobertura da vacina DTP para crianças com menos de um ano registrou aumento de 9,1 pontos percentuais, chegando a 85,3%. O crescimento foi maior nas regiões Norte e Nordeste, com alta de 14,6 pontos e 15,5 pontos percentuais, respectivamente.
No entanto, nenhuma região do país alcançou a meta de 95% de cobertura vacinal. Já a dose de reforço chegou a 68,9%.
“Apesar de a cobertura estar aquém, é uma boa notícia esse aumento, precisamos continuar nesse movimento”, diz Boccolini. A vacina DTP, junto com a BCG, é uma das mais antigas do calendário vacinal infantil.
A cobertura para a vacina combinada MMRV (tetraviral) também cresceu (3,5 pontos percentuais), mas foi a que teve o pior desempenho das quatro analisadas: 59,6% de cobertura no país. O Ministério da Saúde argumenta, porém, que as vacinas tríplice viral e varicela monovalente vêm sendo utilizadas em substituição à tetraviral, o que afeta a análise desta de modo isolado.
“No geral, [a cobertura] ficou muito baixa. O sonho de retomar o nosso selo de território livre do sarampo fica mais longe. A doença está nos assombrando o tempo todo”, diz Boccolini.
O Brasil recebeu em 2016 o certificado oficial de erradicação do sarampo, porém em 2019 perdeu o selo devido à volta de casos e das sucessivas coberturas abaixo do ideal.
Para o Ministério da Saúde, a hesitação vacinal identificada nos últimos anos é influenciada por fatores como baixa percepção de risco das doenças imunopreveníveis, dificuldades de acesso aos serviços de vacinação, desconfiança quanto à segurança e efetividade das vacinas e desinformação.
“O que essas pessoas não sabem é que não se vacinar aumenta o risco de (re)introdução e disseminação dessas doenças”, diz o ministério.
A pasta comanda por Nísia Trindade afirma que ampliar as coberturas vacinais é prioridade e, nesse sentido, prevê destinar mais de R$ 151 milhões para ações de microplanejamento nos estados, para ajustar a estratégia de vacinação às realidades locais. Medidas como busca ativa de não vacinados e intensificação da aplicação de doses em áreas indígenas também estão sendo adotadas.
Um estudo recente que envolveu três universidades brasileiras e a Escola de Saúde Pública de Harvard mostra que existe uma lacuna no monitoramento das desigualdades socioeconômicas em relação à imunização. Vários estudos já sinalizaram que cidades mais pobres, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, têm taxas vacinais mais baixas.
“É imprescindível o monitoramento das desigualdades para desenhar e implementar políticas equitativas. O avanço das coberturas vacinais demanda uma abordagem inovadora, indo além dos moldes tradicionais das campanhas de vacinação”, diz Alexandra Boing, coordenadora da comissão de epidemiologia da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Entre as estratégias sugeridas estão programas específicos de incentivo financeiro para famílias de regiões mais pobres, como um pagamento adicional vinculado à completude da carteira de vacina das crianças.
Na avaliação de Patrícia Boccolini, também é preciso campanhas que reforcem o risco dessas doenças imunopreveníveis. “As mães morrem de medo da meningite, mas, das outras doenças, não. A Covid é um exemplo. Mais de 80 crianças já morreram neste ano de Covid e a cobertura está baixíssima.”
Os gestores municipais de saúde também deveriam promover mudanças para facilitar a imunização, como a ampliação dos horários e locais de vacinação, defende Boccolini. “Em cidades grandes é para ter vacinação em shoppings, terminais rodoviários, metrôs.”